Ainda não me sinto em posição para escrever este post. Não sou especialista em nada, muito menos em fermento natural. Acho que preciso de alguns anos de experiência com massa mãe e fermentação natural, para efectivamente ser mais entendida no assunto. Contudo, depois de uma semana a partilhar algumas das minhas experiências no Instagram, penso que reuni algumas informações que podem ajudar outras pessoas a fazerem o seu próprio fermento para pão em casa.

Quero agradecer e dedicar este post a todos os seguidores de Instagram, que me acompanharam nesta jornada e que forneceram informação fundamental para a criação deste post. 

O que é fermento natural ou massa mãe?

Massa mãe, isco, fermento natural, levain, referem-se basicamente ao mesmo: uma cultura de fermentos feita a partir de farinha e água. O fundamento é pegar nas bactérias naturais da farinha e no ar e desenvolve-las ao longo de vários dias, de modo a obter uma pasta que pode ser usada para fermentar variadíssimas massas: pão, massa de pizza, panquecas, waffles, crackers, grissinos, etc.

Qual a diferença da massa mãe para o fermento de padeiro?

Muito pouca. São basicamente o mesmo. Ambos são leveduras usadas para a fermentação de massas. Contudo, no caso do fermento de padeiro (seja fresco ou em pó) esses fermentos são seleccionados e “disciplinados” de forma a actuar sempre da mesma forma, nomeadamente a levedar de forma mais rápida. No caso do fermento natural ou massa mãe, os fermentos são “selvagens” o que faz com que sejam mais lentos a fermentar e levedar as massas, que o fermento de padeiro. 

Posso garantir que é muito recompensador criarmos o nosso próprio fermento e fazer pão com ele. O sabor do pão é totalmente diferente, mais complexo. Para além disso, a fermentação lenta, ou seja, a fermentação com fermentos naturais/massa mãe, faz com que os produtos resultantes dessa fermentação sejam mais facilmente digeridos pelo nosso organismo, sem sensação de inchaço. 

Porque existem tantas receitas de massa mãe?

Se pesquisarem por massa mãe ou “sourdough” na internet, vão encontrar dezenas (senão centenas) de formas diferentes de fazer. Desde quantidades diferentes de ingredientes, tempos de alimentação, quantas vezes mexer a massa, descartes a meio do processo, descartes todos os dias. Eu experimentei várias dessas receitas e na maioria das vezes não fui bem sucedida. O que aprendi? A não ser que se consiga recriar as exactas condições de temperatura e humidade que o autor da receita, e obter os mesmo exactos ingredientes, a probabilidade de sucesso é relativamente baixa. 

Por isso, em vez de vos dar a minha receita de massa mãe (que não existe), preferi focar-me nos factores que realmente importam, para se ser bem sucedido.

Como começar o seu próprio fermento natural

Precisamos de 3 coisas apenas: farinha, água e ar. Basta isto. Esperem, afinal precisam de um 4º elemento fundamental para todo o processo: intuição. Aprendi ao final de mais de uma dúzia de tentativas para fazer isco, que a intuição é o nosso maior aliado. Saber ler o isco, os sinais que nos dá, é fundamental para o seu sucesso.

Na sua essência, misturamos água e farinha num frasco, deixamos num lugar ameno (não necessita de ser muito quente) e deixamos o tempo actuar. Vamos alimentando todos os dias, que é como quem diz, juntando água e farinha e esperamos que os fermentos activem, formando bolhas, aumentando de volume e tomando uma textura esponjosa (estes sinais nem sempre se verificam, mas já falamos sobre isso mais à frente).

Ah! Dêem um nome ao vosso fermento, algo que gostem, ou uma pessoa que vos inspire, para que vos ajude a criar uma maior ligação ao vosso fermento. Este é o vosso novo animal de estimação. Os meus fermentos têm todos nomes de mulheres inspiradoras: Frida Kahlo, Coco Chanel, Audrey Hepburn, Mary Anning e Jane Goodall (sim, tenho 5 fermentos neste momento, não me julguem).

Farinha

Pode fazer-se massa mãe de praticamente todas as farinhas de cereais. Eu já fiz de centeio, trigo e espelta, todos bem sucedidos. Também é possível fazer com cereais sem glúten, mas nesta temática ainda não fui tão bem sucedida. Para quem se interessa em cozinha sem glúten, super recomendo o livro da Sofia Paixão, que entre inúmeras receitas, todas sem glúten, ensina a fazer massa mãe e pão sem glúten.

Pela minha experiência, os fermentos feitos a partir de centeio são os que activam mais rapidamente. Contudo, conheço casos que os iscos de trigo foram mais bem sucedidos, em comparação com os de centeio.

Em suma, deve usar uma farinha de boa qualidade, se for integral e/ou biológica melhor (mas se não for também é possível fazer). 

Água

É conveniente usar água filtrada, ou engarrafada, pois o cloro da água da torneira inibe o crescimento dos fermentos. Contudo, podem livrar-se do cloro da água da torneira deixando a água repousar num recipiente aberto por 24h. Também li que batendo a água numa liquidificadora e deixar num recipiente destapado por 24h, ajuda a eliminar uma maior percentagem de cloro. 

Para além do tipo de água, há algo que devem ter em atenção no caso de cada casa: a humidade do ar. Se a vossa casa for especialmente húmida, ou mesmo se estão numa época em que chove mais, é provável que tenham de usar um pouco menos de água que o que a receita indica, para um melhor resultado. 

O tipo de farinha que se usa também afecta a quantidade de água. Normalmente as farinhas mais integrais necessitam de mais água (numa proporção de  1 parte de farinha para 1.5 de água), enquanto que as farinhas mais brancas necessitarão de menos água (numa proporção de 1:1).

Ar

Aqui no ar vamos ver duas coisas. Primeiro, o isco não deve ficar num totalmente vedado, mas sim num frasco levemente coberto com a tampa solta, ou um pano fino. Pessoalmente gosto de usar os frascos com tampa e fecho hermético, ao qual retiro a borracha de vedação. Mas já fui bem sucedida a fazer isco em qualquer frasco.

Em segundo lugar, vamos incluir a questão da temperatura aqui no tema “ar”. A temperatura é fundamental para o desenvolvimento do fermento. A relação é simples: o calor acelera os fermentos e o frio “adormece-os”. Contudo, os fermentos não gostam de ambientes demasiado quentes, a partir dos 27º, os fermentos começarão a morrer. O ideal é um ambiente ameno, sem grandes variações de temperatura. Mas caso tenha uma casa muito quente, ou habite num lugar quente naturalmente, que vá gerindo a fermentação do seu isco com períodos de temperatura ambiente e frigorífico, para que estes não fiquem “hiperactivos” com o calor.

Rotina

 É importante estabelecer uma rotina de alimentação, para que nunca se esqueça de alimentar o seu isco. A altura do dia que se escolhe é indiferente, desde que se mantenha rigoroso com esse momento. Pode ser ao acordar, ou ao deitar, à hora de almoço. Se algum dia acontecer se esquecer ou não conseguir alimentar, não é grave. Os fermentos são muito resistentes e aguentam algum tempo sem serem alimentados. 

Contudo, se se esquecer (ou mesmo que não se esqueça), depois de ter um isco activo e este formar água por cima, quer dizer que tem fome e precisa de ser alimentado. Pode descartar essa água, ou voltar a misturar. Ao manter a água, ficará com uma massa mãe mais ácida e, por conseguinte, pães com sabores mais acidificados. 

Há receitas para todos os tipos de rotinas. Há receitas que alimentam 2 vezes ao dia (de 12h em 12h) e isto vai incentivar mais ao desenvolvimento do isco. Contudo, na grande maioria dos casos, alimentar de 24h em 24h é suficiente para o desenvolvimento da massa mãe.

Intuição

Para mim, a intuição é o ingrediente fundamental! De todas as minhas experiências, as mais bem sucedidas foram aquelas que alimentei seguindo a minha intuição. Ou seja, não medi quantidades (apenas a do dia 1) e fui alimentando com farinha e água consoante a informação que o isco me dava. Por exemplo, se nos primeiros dias o meu isco forma água no topo, sei que estou a colocar água a mais, quando o alimento. Ou se na hora de alimentar, ao colocar a água (coloco antes da farinha), vejo que ela fica toda retida no topo, é porque ainda não há actividade na massa mãe.

O que sugiro é que primeiro experimentem seguir uma receita de fermento natural, para ganhar sensibilidade a manusear o isco, mesmo que não dê certo. Depois, desafio-vos a preparar um isco seguindo a vossa intuição e comparem as diferenças. 

Veja a minha receita de massa mãe

 

Referências:

https://www.theperfectloaf.com/7-easy-steps-making-incredible-sourdough-starter-scratch/

https://foodbodsourdough.com/what-is-sourdough-starter/

“Baking School: The Bread Ahead Cookbook” by Matthew Jones, Justin Gellaty & Louise Gellaty.