Papas industriais vs papas caseiras
Para as pessoas que começam a grande aventura de alimentar os seus bebés, as dúvidas imperam: o que será melhor, papas industriais, ou papas caseiras?
São muitas destas pessoas que me chegam todos os dias, em busca de uma resposta. Spoiler alert: este post não vai trazer essa resposta. O que me proponho fazer é trazer alguns números para cima da mesa, para conseguir a resposta certa para cada família. Acredito que não será igual entre elas. Mas aguentem até ao final, que deixo duas sugestões para quem precisa de uma resposta.
DISCLAIMER: este post não tenta ser científico, e a informação nele contida não pode ser usada nesse sentido. Fiz alguns cálculos simples, com uma metodologia muito simples: peguei em duas papas com os mesmos ingredientes e comparei. Só isso.
As papas industriais são enriquecidas
É verdade, e já falei disso aqui no blog. As papas industriais são enriquecidas, com mais ou menos micronutrientes (vitaminas e minerais) consoante necessitem. Mas tendo em conta a sua constituição, muitas delas à base de farinhas de cereais, se estas não fossem enriquecidas, seriam muito pobres nutricionalmente. Grande parte da riqueza nutricional dos cereais está no farelo e gérmen (elementos que são eliminados quando os cereais são refinados em farinha).
Em suma, se efectivamente procuram saber a quantidade de vitaminas e minerais exacta de cada colherada de papa, as papas industriais são a resposta.
Mas e as papas caseiras?
(…) as papas caseiras (feitas com mistura livre, não quantificada sob o ponto de vista nutricional, de cereais, com ou sem adição de frutos) não apresentam segurança nutricional, ao não permitir a quantificação dos macro e micronutrientes.
Esta é a opinião da DGS, publicada no Manual de Alimentação Saudável dos 0 aos 6 anos. Basicamente o que nos dizem é que não é possível saber quantas proteínas, hidratos de carbono, vitaminas e minerais, vai em cada colherada de papa. Mas felizmente conseguimos ter uma estimativa.
E foi isso que fiz. Peguei numa papa industrial e recriei essa papa numa versão caseira, usando os mesmos ingredientes. Usei a informação nutricional do site da PortFIR e os ingredientes que não encontrei lá (como a cevada e o centeio integral/floco) recorri ao site Self Nutrition Data. Fiz algumas contas e comparei os valores. Só para que conste, considerei que os 7 cereais usados na papa caseira estariam em quantidades iguais entre si.
Vamos a contas
Para referência, usei esta papa. Escolhi uma papa comum do mercado, sem adição de açúcares e que fosse não láctea, para poder usar o mesmo leite na constituição das duas papas.
Depois, peguei na lista de ingredientes da papa industrial, enumerei os ingredientes que necessitaria e recolhi a informação nutricional de cada um.
Papa industrial: Farinhas 97,5% (trigo hidrolisada e trigo integral, aveia integral, cevada, centeio, milho, espelta, arroz, triticale*), óleos vegetais (colza, girassol), substâncias minerais (carbonato de cálcio, fumarato ferroso, sulfato de zinco, iodeto de potássio), vitaminas (C, E, PP, B1, A, B6, ácido fólico, D), cultura de bifidobactérias, aroma (vanilina)
Papa caseira: flocos de trigo, flocos de aveia, flocos de cevada, flocos de centeio, semola de milho, espelta integral e arroz integral
*triticale é um cereal híbrido de trigo e centeio.
| Papa industrial /100g | Papa caseira/ 100g | |
| Energia | 402 kcal | 355 kcal |
| Gorduras | 4,6 g | 3,3 g |
| Hidratos de carbono | 76,7 g | 69,6 g |
| dos quais açúcares | 18,4 g | 2,6 g |
| Fibras | 5 g | 9,3 g |
| Proteínas | 11 g | 12,5 g |
| Sal | 0,1 g | 0,01 g |
| Vitaminas | ||
| Vitamina A | 300 µg | 6,1 µg |
| Tiamina (B1) | 0,8 mg | 0,4 mg |
| Riboflavina (B2) | sem informação | 0,2 mg |
| Niacina (B3) | sem informação | 4 mg |
| Vitamina B6 | 0,3 mg | 0,3 mg |
| Vitamina C | 70,5 mg | 0 mg |
| Minerais | ||
| Potássio | sem informação | 343,4 mg |
| Cálcio | 203 mg | 23,9 mg |
| Fósforo | sem informação | 288,4 mg |
| Magnésio | sem informação | 124,3 mg |
| Ferro | 8,5 mg | 2,5 mg |
| Zinco | 7,8 mg | 2,9 mg |
Primeiras conclusões que saltam à vista: de facto, as papas industriais são mais ricas em em algumas vitaminas e minerais. Mas atentem a um pormenor: no caso da vitamina B6, esta é adicionada à papa industrial, perfazendo um total de 0,3 mg, por cada 100 g de papa, enquanto a papa caseira atinge os mesmo 0,3 mg, com os nutrientes naturalmente presentes. Portanto, para onde foi a vitamina B6 naturalmente presente na papa industrial?
Isto faz-me crer que o uso das farinhas dos cereais, em vez dos flocos ou grãos, leva a uma perda substancial destes micronutrientes, que necessitam de ser adicionados posteriormente. Mas são só especulações minhas.
Outra coisa que salta também à vista, é que a papa caseira é muito mais interessante em macronutrientes, em relação à industrial, com maior riqueza de fibras e proteínas, menor presença de açúcares, e um décimo do sal. Quanto à gordura, a adição de óleos é o segundo ingrediente da papa industrial, sem isso representar uma diferença substancial no resultado final.
Contudo, não são consumidos 100g destas papas, mas sim, cerca de 25g a 30g juntamente com o leite do bebé. Para a seguinte tabela usei 25g de cada papa com 150ml de leite adaptado reconstituído.
| Papa industrial pronta | Papa caseira pronta | |
| Energia | 201 kcal | 189 kcal |
| Gorduras | 6 g | 5,6 g |
| Hidratos de carbono | 31,6 g | 29,9 g |
| dos quais açúcares | 17,1 g | 13,1 g |
| Fibras | 1,3 g | 2,3 g |
| Proteínas | 4,7 g | 5,1 g |
| Sal | 0,12 g | 0,10 g |
| Vitaminas | ||
| Vitamina A | 159,2 µg | 85,5 µg |
| Tiamina (B1) | 0,3 mg | 0,2 mg |
| Riboflavina (B2) | 0,2 mg | 0,3 mg |
| Niacina (B3) | 0,8 mg (só do leite) | 1,8 mg |
| Vitamina B6 | 0,16 mg | 0,16 mg |
| Vitamina C | 33,8 mg | 16,2 mg |
| Minerais | ||
| Potássio | 112,5 mg (só do leite) | 198,4 mg |
| Cálcio | 160,3 mg | 115,5 mg |
| Fósforo | 60 mg (só do leite) | 132,1 mg |
| Magnésio | 10,5 mg (só do leite) | 41,6 mg |
| Ferro | 3,3 mg | 1,8 mg |
| Zinco | 2,7 mg | 1,5 mg |
Macronutrientes
Quando ambas as papas são preparadas com o mesmo leite, as diferenças entre elas diminuem. Existe apenas uma diferença de 12kcal, a quantidade de gordura é idêntica, assim como os hidratos de carbono, ganhando a papa caseira para a menor quantidade de açúcares. A papa caseira possui maior quantidade de fibras e proteínas, mas sem uma discrepância de valores relevante.
Micronutrientes
Em relação às vitaminas, a grande diferença que encontramos entre as duas papas é na vitamina A e vitamina C. Sabemos que as duas vitaminas não são as mais presentes nos cereais. A vitamina A encontra-se em tecidos animais (alimentos de origem animal) e alimentos vegetais com carotenoide (legumes e frutas amarelos, laranjas e vermelhos). A vitamina C é encontrada em várias frutas e hortícolas.
Também, olhando para os valores de referência para bebés entre os 7-11 meses, estas são de 250 µg/dia de vitamina A e 20 mg/dia de vitamina C, segundo o Manual de Alimentação Saudável dos 0 aos 6 anos. Para colmatar as necessidades nutricionais diárias de vitamina A, os bebés só precisam de ingerir 25g de cenoura cozida (963 µg de vitamina A por 100g de cenoura cozida) e cerca de 30g de laranja (57 mg de vitamina C por 100g de laranja).
Então, a papa caseira não colmata as necessidade diárias de vitamina A e vitamina C. Certo. Mas a papa industrial também não e ambas precisam de ser complementadas com as restantes refeições (almoço, jantar e refeições exclusivas de leite).
Quanto aos minerais, as grandes discrepâncias de valores ocorrem no potássio, fósforo e magnésio, sendo as papas caseiras mais ricas nestes minerais. Contudo, são minerais que não vêm representados na papa industrial e não sabemos o seu valor real nesta, portanto, não poderemos fazer uma comparação justa.
Nos minerais que podemos efectivamente comparar, vemos que a papa industrial é mais rica: cálcio, ferro e zinco. Mas vamos fazer o mesmo exercício das vitaminas e perceber se essa diferença colmata as necessidades nutricionais diárias do bebé. Segundo o Manual de Alimentação Saudável dos 0 aos 6 anos da DGS, os bebés dos 7-11 meses precisam de 280 mg/dia de cálcio, 11mg/dia ferro e 2,9mg/dia de zinco.
No caso do cálcio, ambas as papas não atingem o requerimento diário, necessitando de alimentos complementares (nomeadamente o leite materno ou de fórmula). Apesar da papa industrial ser enriquecida com ferro, apenas suprime 1/3 das necessidade diárias do bebé, necessitando de alimentação adequada para essas necessidades ou suplementação. Por fim, no que diz respeito ao zinco, a papa industrial de facto suprime quase na totalidade as necessidades diárias deste mineral. A papa caseira suprime metade destas necessidades, mas é facilmente colmatada com a ingestão de carnes, leguminosas.
Conclusão: papas industriais ou papas caseiras?
Na minha humilde opinião, não podemos dizer que uma papa é mais rica nutricionalmente que a outra. Posto isto, as famílias devem fazer a sua escolha tendo em atenção os seguintes pontos:
- As papas industriais são mais consistentes a nível nutricional, pois são feitas para assim o ser. Contudo, são feitas também para que tenham sempre a mesma consistência e sabor, não havendo grande estímulo a nível do paladar para o bebé. Se procuram variação de consistências e estimulo à mastigação do bebé, este não será o caminho.
- As papas caseiras podem ter menos micronutrientes, mas tanto nestas como nas papas industriais, os valores de referência diários não são atingidos, pelo que se deve ter em consideração a dieta geral do bebé e não esta única refeição. Também, com as papas caseiras, podemos ter uma maior diversidade de sabores, texturas e consistências para o paladar do bebé, sem comprometer a nutrição. Só tenham a atenção de variar os ingredientes usados nas papas.
- Se realmente não conseguiram chegar a uma conclusão de qual a melhor opção, façam umas e as outras, e variem. Mas, por favor, não se martirizem com esta questão, e já que eu perdi umas boas horas a fazer estas contas todas, invistam o vosso tempo e energia a proporcionar bons momentos e oportunidades nas refeições dos vossos bebés, pois isso é que vai fazer a diferença.
Por fim, não se pode assumir que uma tem uma superioridade nutricional em relação a outra. Acredito que se compararmos mais papas industriais a versões caseiras conseguiremos maior consistência nesses resultados. E isto é uma conclusão que a própria OMS publicou, numa das suas revisões sistemáticas no assunto, não apoiando um tipo de papa em relação a outra.
Os meus parabéns por este post. Mais uma vez um texto informado, sensato e muito útil. Muito obrigada pelo seu trabalho! Como se costuma dizer deu-nos realmente “a papinha feita”, agora cada um que tome as suas decisões!